TEXTUALIDADE, COESÃO TEXTUAL E SEUS OPERADORES
Um texto não é uma sequência de sentenças, mas um
encadeamento semântico delas, criando uma rede de sentido, a que damos o nome
de textualidade. A esse encadeamento
damos o nome de coesão. Em um texto
falado podemos recuperar informações através de vários mecanismos, como o
gesto, o tom da voz, o olhar. Em um texto escrito, esses recursos não estão
disponíveis, portanto é fundamental que o encadeamento das sentenças seja
preciso.
Uma textualidade supõe o entendimento claro do que se
está querendo dizer, mas a língua dispõe de amplos recursos para construir essa
textualidade de forma mais enxuta e coesa. Trata-se dos mecanismos de coesão.
Tomemos como exemplo duas sentenças simples:
Pegue as
frutas. Coloque as frutas no carrinho.
O falante pode recuperar a informação sobre quais
frutas são apontando para elas, por exemplo. Suponhamos que houvesse várias
frutas, umas próximas ao falante, outras distante dele. Em um texto escrito
seria fundamental que se determinasse através de um mecanismo de coesão a quais
frutas estamos nos referindo:
Pegue aquelas
frutas. Coloque as frutas no carrinho.
Esse procedimento, ainda que correto torna
desagradável a leitura que se pretende fluida. Assim, faz parte do processo coesivo
a adoção de uma estrutura mais enxuta, evitando repetições desnecessárias à
textualidade.
Veja agora:
Pegue
aquelas frutas. Coloque-as no carrinho.
Repare que o termo “frutas” foi recuperado pelo
pronome “as”, deixando o texto mais enxuto, mais fluido, sem perder a sua
clareza.
Vejamos alguns mecanismos de coesão:
Referência:
A coesão se estabelece
fazendo referência a algum elemento já mencionado ou ainda por se mencionar. No
exemplo anterior, o pronome “as” retoma o substantivo a que se faz referência.
É a chamada referência anafórica.
Veja um outro tipo de coesão referencial:
O time só pensava nisto: a conquista do campeonato.
Repare que o pronome
“isto” só faz sentido se recuperado pela sentença posterior: “a conquista do
campeonato.” A coesão se estabelece não pelo foi dito, mas pelo que se está por
dizer. É a chamada referência catafórica.
As palavras responsáveis
por esse tipo de coesão são os pronomes, que podem ser pessoais, possessivos ou
demonstrativos, os advérbios de lugar e os artigos definidos. Veja esses
exemplos:
No bar, Leticia pediu uma cerveja. A cerveja, no
entanto, estava quente.
Veja que se
substituíssemos o artigo definido por um indefinido, o texto não faria sentido:
* No bar, Leticia pediu uma cerveja. Uma cerveja, no
entanto, estava quente.
Veja:
Daniel esteve, ontem, em Brasília. Na referida
cidade, o mesmo disse que a política continuava instável.
Poderíamos tornar esse segmento mais coeso:
Daniel esteve, ontem, em Brasília. Lá , ele
disse que a política continuava instável.
Ao escrever essas sentenças percebemos que o pronome
“ele” poderia ser suprimido. É um outro mecanismo de coesão:
Elipse:
Estabelece-se quando algum elemento do texto é
omitido:
Daniel esteve, ontem, em Brasília. Lá , (ele)
disse que a política continuava instável.
Coesão lexical:
Trata-se do efeito obtido pela seleção vocabular ao
se repetir o item lexical, substituindo-o por um sinônimo, um hiperônimo, ou
ainda, um nome genérico. Veja:
Aquele menino foi bem no teste. O garoto parecia, de
fato, preparado.
Os ladrões correram para dentro do supermercado. Lá,
os criminosos foram detidos pela polícia.
As
crianças se assustaram com as pegadas no chão. Quando se deram conta, viram a coisa atrás da porta.
Um tipo de coesão lexical é a nominalização, que transforma um verbo em substantivo,
estabelecendo a coesão textual:
É preciso transformar a sociedade. Tal transformação começa com o incentivo à
cultura e à educação.
Conjunção ou
Conexão:
Estabelece uma correlação entre o que está para ser
dito e o que já foi dito anteriormente travando uma relação de sentido
qualquer.
Murilo
estava sem dinheiro e pediu dinheiro
ao banco.
Murilo
pediu dinheiro ao banco, mas não
conseguiu pagar.
Como não conseguiu pagar o
dinheiro, Murilo perdeu o seu crédito.
EXERCÍCIOS
1. Os trechos abaixo apresentam
deficiência coesiva. Reescreva-os, de modo a torná-los coesos.
a) “Muita gente votou nas
últimas eleições. Muita gente pensava que as coisas iriam mudar radicalmente,
mas muita gente estava enganada. O Brasil parece que levará ainda um tempo
muito grande para amadurecer. O que o Brasil precisa, entretanto, para chegar a
ficar maduro é manter arejada e viva a democracia.”
b) “O projeto Rio Cidade
prejudicou o transeunte carioca com seus buracos e postes. No entanto, o Rio
Cidade gastou milhares de reais dos cofres públicos enquanto a prioridade devia
ser as favelas...”
c) “ O melhor exemplo a ser
seguido é o dos pais para a formação dos filhos. A melhor formação dos filhos
vem de casa pelos pais.”
d) “Os meios de comunicação,
aliados ao desejo de muitos pais em tornar seu filho uma pessoa bem preparada
para o futuro, acabam impondo a este a necessidade de praticar um grande número
de atividades.”
e) “Para todos nós, jovens
decididos e indecisos, a sociedade como um todo vai influenciar na nossa
formação.”
f) “Desde criança, a família
tenta dar uma criação ao seu filho. Depois vem a consciência individual de cada
um...”
2. Em cada item abaixo há no
mínimo duas orações. Reúna-as em um só período de forma mais coesa possível, mantendo
a relação de sentido.
a) O Fluminense empatou no
domingo. A torcida do Flu estava irada. A torcida quebrou o alambrado.
b) Existem muitos governos. Há
a promessa da eterna reforma agrária. Uma imensa massa de trabalhadores fica
prejudicada. A reforma não sai do papel. A paciência dos trabalhadores esgotou.
PARA DIA 06/10
TEXTO I
A Bic e o socialismo
É moda
dizer que o socialismo fracassou devido à natureza humana. Será? Se você quiser
entender o socialismo, poderá ler a História
da riqueza do homem, de Leo Huberman. Marx, Engels etc. já exigem mais
disposição, mas se você quer MESMO entender como o socialismo dá certo,
abandone a teoria e olhe à volta. O que vê? Capitalismo por toda parte? Engano
seu...há um enclave socialista, diria até comunista, sólido, consolidado, bem
abaixo de nossos narizes e essa obra, revolucionária, foi criada por um francês
de nome curtíssimo: Bic.
Ele é o inventor da caneta Bic. Não há nada mais
comunista do que a caneta Bic. Quer ver? Se você não for encarregado do almoxarifado
da empresa, for apenas um homem comum, responda: quantas Bics você comprou na
vida? Quantas você já usou? Quantas usou DO COMEÇO ATÉ O FIM?
Nas respostas está o segredo. Normalmente (a não ser que
seja almoxarife ou tarado), você não comprou nem 5% das Bics que usou em sua
vida. E elas vêm e vão mas não pertencem a ninguém em particular. São
socializadas e ninguém se desespera ao ver que sua Bic sumiu (experimente
perder uma Parker), pois tem certeza de que, em meia hora, outra estará caindo
em suas mãos. Você vai ao banco, preenche um cheque, pede emprestada a Bic e a
põe no bolso, saindo lépido e fagueiro para esquecê-la com seu colega de
trabalho que pediu-a “emprestada”, mas recupera, logo adiante, outra, esquecida
sobre a mesa...
As Bics se encaixam perfeitamente na máxima marxista: “De
cada um, segundo as suas possibilidades, a cada um segundo suas necessidades.”
Quem pode (o almoxarife, por exemplo) compra muitas; quem precisa serve-se de
acordo com a necessidade e todos ficam felizes.
Há
maníacos pela propriedade que colocam tiras de papel no interior da caneta com
seu nome. Só funciona – às vezes – se conhecermos o dono. Do contrário,
olharemos para a caneta em nosso bolso e nos perguntaremos, lendo a tira de
papel: “Quem, diabos, é Zwinglio Kelezogulu?”
Depois, balançando a cabeça, embolsaremos a caneta. Sem
culpa. Eu não disse?
UTZERI, Fritz. Dancing Brasil. Rio de Janeiro:
Record, 2001.
3.
O texto se baseia numa comparação esdrúxula para
confirmar sua tese de que o socialismo não está morto. Transcreva do 3º
parágrafo uma frase em que esteja explícita a relação entre a caneta Bic e a
visão socialista.
4.
Explique o mecanismo de coesão utilizado pelo
autor para ligar o 2º parágrafo ao 1º.
(UNICAMP)
Veja os trechos:
- Fazendo sucesso com sua nova clínica, a psicóloga
Iracema Leite Ferreira Duarte, localizada na rua Campo Grande, 159.
- Embarcou para São Paulo Maria Helena Arruda, onde
ficará hospedada no luxuoso hotel Maksoud Plaza.
[Notícias da coluna social do Correio
de Mato Grosso, 28/8/88]
5. Escolha um dos trechos, diga
qual é a interpretação “estranha” que ele pode ter e reescreva-o de forma a
evitar o problema.
(UNICAMP)
O comentário seguinte faz parte de uma reportagem
sobre o decreto assinado pelo (então) presidente José Sarney, tornando
eliminatórios, no vestibular, os exames de língua portuguesa e de redação:
“Os
estudantes que pretendem ingressar na UNICAMP, no próximo vestibular, concordam
com o decreto do governo. Estão reclamando, apenas, que a Universidade de
Campinas está exigindo a leitura de um livro que entrará no exame inexistente
no Brasil: A Confissão de Lúcio, Mário de Sá-Carneiro.”
Isto é Senhor,
14/9/88.
6.
Conforme redigido, o texto contém uma passagem ambígua. Identifique
essa passagem, transcreva-a e explique por que ela é ambígua. Em seguida,
reescreva-a de forma a tornar clara a interpretação pretendida pela revista.
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